Introdução
Em tempos de emergência climática global, a inovação na arquitetura e urbanismo surge como uma ferramenta fundamental para repensar as formas de projetar, planejar e intervir no território. Mais do que propor novas formas ou tecnologias, trata-se de uma mudança de mentalidade que nos convida a adotar uma postura crítica, propositiva e sensível às complexidades ambientais, sociais e econômicas que moldam nosso presente.
O papel da arquitetura e do urbanismo na construção de um mundo sustentável é inegável. Mais do que projetar edifícios ou organizar cidades, esses campos possuem a capacidade de moldar mentalidades, influenciar comportamentos e criar espaços que promovam uma convivência mais harmoniosa entre a humanidade e o meio ambiente.
No entanto, em um contexto global de crise climática e rápida urbanização, a solução dos problemas enfrentados pelas cidades e comunidades vai além da tecnologia ou de técnicas construtivas modernas. A verdadeira inovação começa pela pessoa – pela transformação da cultura e da mentalidade voltada para o pensamento crítico, soluções criativas e ações que agreguem valor ao longo do tempo.
Este artigo explora como a criação de uma cultura focada na solução de problemas, o desenvolvimento do pensamento crítico e a busca pela inovação sustentável são fundamentais para enfrentar os desafios do século XXI. A relação entre esses princípios e a crise climática global será abordada, considerando como a arquitetura e o urbanismo podem contribuir para um futuro mais equilibrado e resiliente.
1. A Cultura da Solução de Problemas em Arquitetura e Urbanismo
A arquitetura e o urbanismo, por essência, são disciplinas solucionadoras de problemas. Seja na concepção de edifícios adaptados ao clima local, no planejamento de cidades mais inclusivas ou na preservação de patrimônios históricos, esses campos estão constantemente respondendo a desafios complexos e multidimensionais. Contudo, para que as soluções sejam realmente eficazes e sustentáveis, é necessário criar uma cultura que promova o pensamento crítico e criativo, capaz de questionar modelos ultrapassados e propor novas abordagens.
1.1. Do problema à oportunidade
Para construir essa cultura, é importante enxergar os problemas não apenas como obstáculos, mas como oportunidades de inovação. Um exemplo é a adaptação de cidades a mudanças climáticas. Eventos extremos, como enchentes ou ondas de calor, são problemas graves, mas também impulsionam soluções como infraestrutura verde, telhados vivos e sistemas de drenagem urbana sustentável, que agregam valor ao longo do tempo ao mitigar os impactos ambientais e melhorar a qualidade de vida.
1.2. O papel da educação
Uma cultura de solução de problemas não nasce espontaneamente – ela deve ser cultivada desde a formação acadêmica. Instituições de ensino de arquitetura e urbanismo têm a responsabilidade de fomentar o aprendizado baseado em problemas (PBL, do inglês Problem-Based Learning), em que os estudantes enfrentam desafios reais e são incentivados a trabalhar de maneira colaborativa e interdisciplinar. Além disso, o ensino deve incorporar práticas que estimulem a empatia, a escuta ativa e a capacidade de interpretar as demandas sociais e ambientais.
2. Inovação Começa Pela Pessoa: Transformando Mentalidades
No imaginário coletivo, inovação muitas vezes é associada ao desenvolvimento tecnológico – à criação de ferramentas, softwares ou sistemas que prometem transformar a sociedade. Embora a tecnologia desempenhe um papel importante, ela não é capaz, sozinha, de mudar a mentalidade ou de promover as transformações culturais necessárias para lidar com problemas como a crise climática. Como destaca o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, “não é a tecnologia que define o ambiente urbano, mas sim o comportamento humano”.
2.1. Pessoas no centro da inovação
Colocar as pessoas no centro da inovação é uma mudança de paradigma necessária na arquitetura e no urbanismo. Isso significa considerar como os espaços influenciam o comportamento humano e como o design pode facilitar soluções para problemas complexos. Um exemplo é o conceito de cidades caminháveis (walkable cities), que promove o uso de transportes não motorizados e a redução de emissões de carbono. Essa ideia não exige tecnologias avançadas, mas sim um redesenho das cidades baseado no comportamento humano e nas necessidades locais.
2.2. Mudança de mentalidade
Transformar a mentalidade também exige que os profissionais da área desafiem as suposições tradicionais. É necessário abandonar o pensamento focado exclusivamente no curto prazo – como o uso de materiais baratos, mas ambientalmente nocivos – e adotar uma abordagem que priorize a durabilidade, a flexibilidade e a resiliência. Essa mudança requer uma visão crítica sobre o que realmente agrega valor ao longo do tempo, tanto para os usuários dos espaços quanto para o meio ambiente.
3. Pensar Diferente: Agregar Valor ao Longo do Tempo
Em um mundo marcado pela efemeridade e pelo consumismo, pensar de maneira diferente tornou-se uma necessidade. Na arquitetura e no urbanismo, isso significa criar espaços e estruturas que não apenas atendam às necessidades imediatas, mas que continuem a agregar valor ao longo do tempo, tanto em termos econômicos quanto sociais e ambientais.
3.1. O desafio da permanência
Projetos arquitetônicos e urbanos duradouros são aqueles que conseguem se adaptar às mudanças inevitáveis – sejam elas tecnológicas, climáticas ou culturais. Um exemplo bem-sucedido é o uso de infraestruturas flexíveis, como edifícios que podem mudar de função ao longo dos anos. Esses projetos são especialmente importantes no contexto da crise climática, pois reduzem o desperdício de recursos e maximizam o ciclo de vida dos materiais.
3.2. Valor intangível
Além do valor econômico, é importante considerar o valor intangível de um projeto. Um edifício ou espaço público bem projetado pode promover o senso de comunidade, melhorar a saúde mental dos usuários e preservar a memória cultural. Esses fatores nem sempre são quantificáveis, mas têm um impacto profundo na qualidade de vida e na sustentabilidade dos ambientes urbanos.
4. A Crise Climática e o Papel da Arquitetura e Urbanismo
O contexto global da crise climática coloca a arquitetura e o urbanismo no centro do debate sobre sustentabilidade. As cidades, que abrigam mais de 55% da população mundial, são responsáveis por cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa.
A prática da arquitetura e do urbanismo deve ser compreendida como ato político e coletivo, comprometido com o bem comum. É essencial que as soluções projetuais não se restrinjam ao objeto construído, mas considerem o entorno, o contexto e o impacto ambiental e social de cada decisão. Essa abordagem está alinhada com princípios como os defendidos pelo World Green Building Council, que promove construções regenerativas e resilientes.
A inovação da arquitetura e urbanismo exige que o olhar técnico se amplie para considerar os ciclos naturais, a biodiversidade e os recursos finitos. Projetos devem considerar o longo prazo e incorporar estratégias como soluções baseadas na natureza, materiais de baixo impacto e eficiência energética — práticas recomendadas por entidades como a ONU-Habitat.
Nesse cenário, projetar espaços resilientes e de baixo impacto ambiental é tanto uma responsabilidade quanto uma oportunidade para os profissionais da área.
4.1. Design regenerativo
Uma abordagem inovadora que vem ganhando destaque é o design regenerativo, que busca ir além da sustentabilidade tradicional. Em vez de simplesmente minimizar os impactos negativos, o design regenerativo visa criar impactos positivos, restaurando ecossistemas e promovendo a biodiversidade. Exemplos incluem a integração de florestas urbanas, sistemas de captação de água da chuva e fachadas verdes em edifícios.
4.2. Cidades como soluções climáticas
Cidades bem planejadas podem se tornar ferramentas poderosas no combate à crise climática. Por exemplo, o conceito de cidades esponja, implementado em países como a China, utiliza parques, lagoas e outras áreas verdes para absorver o excesso de água das chuvas, prevenindo enchentes e reabastecendo os lençóis freáticos. Essa solução demonstra como a arquitetura e o urbanismo podem transformar desafios ambientais em oportunidades.
5. O Caminho para a Sustentabilidade: Interdisciplinaridade e Cooperação
Para enfrentar os desafios apresentados, a inovação da arquitetura e o urbanismo deve adotar uma abordagem interdisciplinar, trabalhando em conjunto com engenheiros, cientistas ambientais, sociólogos, economistas e a comunidade. Além disso, a cooperação internacional é essencial para compartilhar boas práticas e adaptar soluções globais aos contextos locais.
5.1. Educação para a sustentabilidade
A formação de futuros arquitetos e urbanistas deve priorizar o aprendizado de princípios de sustentabilidade, resiliência climática e economia circular. Cursos e workshops práticos que integram o design com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU podem preparar os profissionais para enfrentar os desafios do século XXI.
Formar profissionais com pensamento crítico é essencial para enfrentar os desafios contemporâneos. A educação deve incentivar a reflexão, a pesquisa aplicada e a experimentação de soluções inovadoras. Projetos acadêmicos e práticas pedagógicas podem integrar conhecimentos técnicos com princípios de justiça socioambiental.
5.2. Políticas públicas e incentivos
Governos e instituições têm um papel crucial na promoção de práticas sustentáveis. Políticas públicas que incentivem o uso de materiais recicláveis, tecnologias limpas e infraestrutura verde podem acelerar a transição para cidades mais resilientes. Além disso, financiamentos e subsídios para projetos inovadores podem estimular a adoção de práticas que ainda não são amplamente utilizadas.
A inovação na arquitetura e urbanismo deve colocar as pessoas no centro das decisões. Isso significa envolver comunidades nos processos de projeto e reconhecer saberes locais como parte das soluções. Como abordado no artigo O legado urbano na emergência climática, os impactos negativos da má gestão urbana recaem sobre os mais vulneráveis, tornando urgente uma abordagem mais inclusiva.
Considerações Finais
A crise climática, a rápida urbanização e as mudanças culturais exigem que a arquitetura e o urbanismo se reinventem continuamente. A verdadeira inovação começa pela pessoa – pela transformação de mentalidades e pela criação de uma cultura que valorize o pensamento crítico e as soluções criativas. Apenas com essa mudança cultural será possível projetar espaços e cidades que não apenas atendam às demandas atuais, mas que também continuem a agregar valor ao longo do tempo.
O caminho para a sustentabilidade está na combinação de tecnologia, cultura e cooperação. A arquitetura e o urbanismo têm a capacidade única de transformar problemas em oportunidades, criando um futuro mais resiliente, inclusivo e harmonioso. O desafio é grande, mas o potencial de impacto positivo é ainda maior.
Adotar inovação na arquitetura e urbanismo é reconhecer que cada projeto tem o poder de promover transformação social e ambiental. Em um mundo em transformação, a capacidade de imaginar novos futuros sustentáveis torna-se uma das competências mais valiosas para arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos.
A pergunta que fica é: estamos prontos para pensar de maneira diferente e assumir essa responsabilidade?
Referências
Gehl, Jan. Cities for People. Washington: Island Press, 2010.
Jacobs, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage Books, 1961.
McDonough, William; Braungart, Michael. Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make Things. New York: North Point Press, 2002.
Newman, Peter; Beatley, Timothy; Boyer, Heather. Resilient Cities: Overcoming Fossil Fuel Dependence. Washington: Island Press, 2009.
ONU-Habitat. World Cities Report 2022: Envisaging the Future of Cities. Nairobi, 2022.
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Autor
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Certificada PMI® PMP® em gestão de projetos, consultora em gestão de projetos para implementação de processos para maior produtividade e engajamento da equipe, possui larga experiência na elaboração e execução de projetos residenciais, comerciais e institucionais, atua no mercado de trabalho desde 2001 e como docente no ensino superior há mais de 10 anos. Doutora (2019) e Mestre (2014) em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade São Judas (2000) e especialista em Criação Visual e Multimídia pela mesma universidade (2003).
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