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Fernanda F. D’Agostini • 25/03/2025

Resiliência urbana de São Luiz do Paraitinga

Introdução

A reconstrução de São Luiz do Paraitinga, após as enchentes de 2010 – cataclismo que atingiu o núcleo histórico tombado desde 1982 pelo Condephaat, causando a destruição parcial ou total de diversos bens, como a Igreja Matriz São Luiz de Tolosa (1840), e a Capela das Mercês (inaugurada em 1814), tornou-se símbolo de resiliência urbana de São Luiz de Paraitinga e da gestão participativa do patrimônio cultural. Neste artigo, exploramos como essa cidade histórica superou o desastre, destacando estratégias de gestão de riscos, políticas públicas e ações comunitárias que a tornaram exemplo de planejamento urbano sustentável. Entenda como esse caso contribui para os debates sobre adaptação climática e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O Desastre de 2010 e o Contexto Urbano de São Luiz do Paraitinga

A cidade histórica de São Luiz do Paraitinga enfrentou, em 2010, uma das maiores tragédias naturais do estado de São Paulo. As enchentes causadas por chuvas intensas destruíram parte significativa do núcleo urbano tombado, incluindo marcos arquitetônicos como a Igreja Matriz São Luiz de Tolosa (1840) e a Capela das Mercês (1814).

Esse evento revelou a vulnerabilidade de muitas cidades brasileiras que, como São Luiz, se desenvolveram em áreas de várzea, historicamente próximas aos rios, mas que sofreram com impermeabilizações e ocupações desordenadas. A enchente não foi apenas um desastre ambiental, mas também um alerta sobre os limites do modelo urbano vigente.

Nos últimos 50 anos ficou demonstrada a importância do município como o maior conjunto histórico tombado do Estado de São Paulo, seja pela vinculação da malha urbana e conjunto arquitetônico a um projeto pombalino de fundação de povoações ordenadas, e pela somatória da configuração urbana, arquitetura e paisagem que abrange o Rio Paraitinga e o “mar de morros” ( na visão do arquiteto Luís Saia a relevância do município, vinha desde 1946).

Precipitações pluviométricas atípicas, desmatamentos, e a ocupação desenfreada contribuíram para a catástrofe, somados à impermeabilização das margens e encostas, evidenciando que as águas se precipitaram do Rio e dos morros. A atenção se voltou também para as Bacias do Paraitinga – Paraibuna e Paraíba do Sul, entendendo-se um maior controle das várzeas e de possíveis assentamentos nesses locais. Procedimentos de intervenção mobilizaram a sociedade civil, Universidades públicas, privadas e entidades governamentais, com ações pós-inundação, confirmando uma gestão cultural.

Repensar para reconstruir

A destruição da cidade e de seus templos principais trouxe a necessidade de se repensar técnicas e materiais construtivos capazes de resistir a desastres, consolidação e reaproveitamento dos remanescentes da edificação tombada. Resgatados da seleção dos escombros, as opções apresentadas foram objeto de consulta pública, validando demandas da sociedade, incentivando o turismo regional, com foco em um desenvolvimento sustentável. 

Nesse contexto, o planejamento urbano sustentável é crucial para garantir que o turismo contribua para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (ODS 11), que visa tornar cidades e assentamentos humanos inclusivos e resilientes. A integração cuidadosa dos elementos materiais e imateriais do território é essencial para melhorar a qualidade de vida dos residentes e preservar o meio ambiente. Destaca-se a importância de uma integração entre as políticas públicas para que construções patrimoniais tenham incentivo para se adaptarem, incorporando melhorias para a cidade com a participação popular.

O arruinamento incentivou debates que provocaram a realização de projetos e ações de reconstrução explicitando frentes, desde pessoas da comunidade até instituições públicas e privadas, concentrando-se na adaptação às mudanças relativas ao clima para alcançar a retornar a cidade mais resiliente.

Gestão de Riscos e Reconstrução: Caminhos para a Resiliência Urbana

A resposta à tragédia envolveu uma articulação entre sociedade civil, universidades e poder público. O processo de reconstrução se baseou na gestão participativa, com envolvimento ativo da população local na tomada de decisões, incluindo a escolha de técnicas construtivas e estratégias de preservação do patrimônio.

A cidade tornou-se um exemplo de reconstrução com base no reaproveitamento de materiais originais, consolidação de estruturas e adaptações pensadas para mitigar impactos de futuros desastres. A atuação conjunta demonstrou que a reconstrução pode ser também um processo educativo, voltado à conscientização e à cultura de prevenção.

Por fim, a aplicação de técnicas de gestão de riscos pode prever e mitigar os impactos negativos do turismo no território, incluindo a preparação para eventos desastres naturais ou crises econômicas. Para tanto, o monitoramento constante e a avaliação dos projetos turísticos são fundamentais para assegurar que objetivos estão sendo alcançados e estratégias sendo ajustadas.

Estas ações visam tratar uma possível massificação do turismo que pode resultar em uma tematização da cidade e facilidade de compreensão para o visitante, tendo como implicação a visão simplificada da complexidade da própria história ofertada em um discurso transmissível.

🔗 Falando em gestão de riscos, vale a leitura: Gestão de Riscos em Projetos Arquitetônicos e Urbanos.

Patrimônio Cultural e Sustentabilidade: Desafios e Oportunidades

Embasada no reconhecimento da paisagem urbana e arquitetônica, da história do lugar e de suas lembranças, as ações abrangeram uma realidade física em consonância com tradições e memória, que ganharam sentido quando compartilhadas, incorporando estratégias de controle para o enfrentamento de cataclismos. Tais decisões de intervenção em sítios culturais estão no cerne da emergência climática atual, cuja gestão desses impactos requer um esforço integrado para promover a sustentabilidade urbana. 

O diálogo crítico através da resiliência urbana de São Luiz do Paraitinga, memória coletiva e reconstrução mostrou que esses eixos aplicados nessa situação específica poderão ter reflexos, e propõem-se motivar novas percepções e elaborações. Verifica-se a importância para que determinados grupos se organizem e se somem com a ação de instituições para enfrentamento dos efeitos devastadores de futuros eventos cataclísmicos. Uma reconstrução que respeite e administre relações anteriores e futuras.

A preservação do acervo arquitetônico foi uma prioridade. A reconstrução respeitou o valor simbólico e histórico dos edifícios, mas também incorporou debates sobre sustentabilidade, como a adaptação de técnicas tradicionais e a inclusão de critérios de resiliência.

Nesse sentido, o caso de São Luiz dialoga diretamente com o ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis –, demonstrando como é possível promover o turismo cultural sem abrir mão da memória e da integridade urbana. A gestão cultural foi fortalecida como estratégia de desenvolvimento local.

Lições Aprendidas: o que São Luiz do Paraitinga nos ensina

O processo retratado na resiliência urbana de São Luiz do Paraitinga revela a importância da preparação e da gestão de riscos como parte essencial do planejamento urbano. O envolvimento da comunidade, o reconhecimento da paisagem como elemento ativo e a atuação das instituições públicas e privadas mostraram que é possível reconstruir com responsabilidade e inovação.

Para outras cidades brasileiras, o legado deixado por São Luiz é claro: resiliência não se constrói apenas com infraestrutura, mas também com memória, participação e políticas públicas coerentes.

Conclusão

A resiliência urbana de São Luiz do Paraitinga mostra que desastres podem ser transformadores quando enfrentados com planejamento, respeito ao patrimônio e articulação coletiva. A cidade se reergueu preservando sua identidade, modernizando sua gestão e preparando-se para um futuro mais sustentável. Essa experiência deve servir como modelo para outras localidades em risco, e reforça a necessidade de cidades preparadas para os desafios da crise climática e da expansão urbana.

Referências Bibliográficas:

CONDEPHAAT. Processo 61823, Volume I, fl. 29. Projeto de Reconstrução da Igreja de São Luiz de Tolosa, São Luiz do Paraitinga. São Paulo: 2010.

D’AGOSTINI, Fernanda F. Ferrovias turísticas no Brasil: relações entre a infraestrutura ferroviária e o território. 340 f. Tese (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019.

SAIA, L. Evolução Urbana de São Luís de Paraitinga. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 129-140, 2009.

SANTOS, Á. R. Vidas soterradas. A tragédia cotidiana dos deslizamentos de terras em áreas montanhosas. Vitruvius, Minha Cidade, 2010.

SILVA, Tania C. B. M. São Luiz do Paraitinga: patrimônio, reconstrução e memória coletiva. 2017.  389 f. Tese. (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017.

Gostou do conteúdo? Veja também nossos artigos sobre gestão de riscos em projetos urbanos.

Autores

  • Certificada PMI® PMP® em gestão de projetos, consultora em gestão de projetos para implementação de processos para maior produtividade e engajamento da equipe, possui larga experiência na elaboração e execução de projetos residenciais, comerciais e institucionais, atua no mercado de trabalho desde 2001 e como docente no ensino superior há mais de 10 anos. Doutora (2019) e Mestre (2014) em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade São Judas (2000) e especialista em Criação Visual e Multimídia pela mesma universidade (2003).

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  • Doutora pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM- 2017), abrangendo Projetos de Reconstrução e Restauro a partir da Memória Coletiva, tendo como objeto de estudo a cidade de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo. Mestre pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM-2011), envolvendo o Projeto de Restauro da Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista, São Paulo. Possui Especialização em Patrimônio Arquitetônico: Preservação e Restauro Universidade Cruzeira do Sul (UNICSUL-2004), graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Guarulhos (UNG-1996) . Bacharel em Comunicação Visual pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM-989).

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