A atividade turística pode se valer do aproveitamento do capital simbólico representado por lugares e bens de significativo valor histórico-cultural para potencializar o desenvolvimento de municípios e regiões que demonstram pouca diversidade econômica. O fomento do turismo como alternativa de acesso a oportunidades de trabalho e bem-estar social tem atraído a atenção dos responsáveis pela elaboração e implementação de políticas públicas urbanas. Porém, esse processo só se concretiza por meio da consolidação da atividade turística como um fator de desenvolvimento econômico, o qual deve ser territorializado e integrado à dinâmica socioespacial (D’Agostini, 2019).
O turismo de massa nas cidades tem se tornado um fenômeno crescente, com impactos significativos na economia local e nas questões habitacionais. Este artigo discute como a massificação do comércio e dos serviços cria uma dependência econômica extrema e prejudicial da atividade turística, além de abordar os impactos dos aluguéis de curto prazo, aumentando o déficit habitacional em algumas cidades. Também são exploradas as implicações para o planejamento urbano e a sustentabilidade das cidades.
Turismo de Massa
A atividade turística tornou-se uma grande indústria, com uma significativa base econômica para o desenvolvimento dos municípios por meio do apelo à prática esportiva e à realização de atividades de lazer das mais diversas formas, embasadas na busca da emoção e do prazer gastronômico, da elevação do nível cultural e da informação pela visitação e participação em eventos.
O turismo de massa pode trazer benefícios econômicos a curto prazo, como a geração de empregos e o aumento das receitas fiscais. No entanto, essa dependência excessiva pode ser prejudicial a longo prazo. As cidades que se tornam extremamente dependentes do turismo podem enfrentar várias desvantagens. A economia local pode se tornar vulnerável a flutuações sazonais e crises globais que afetam o turismo, como pandemias ou recessões econômicas (Gössling et al., 2020).
Além disso, o crescimento do turismo de massa muitas vezes leva à substituição de negócios locais por lojas e restaurantes voltados para turistas, reduzindo a diversidade e a autenticidade cultural da cidade (Russo & Scarnato, 2018). O aumento expressivo da população em um determinado período pode sobrecarregar a infraestrutura urbana, incluindo transporte, saneamento e serviços públicos, deteriorando a qualidade de vida dos residentes.
Ressalta-se que o turismo em massa pode resultar em uma tematização da cidade, exigindo a máxima facilidade de compreensão para o visitante e tendo como implicação a visão de forma simplificada da complexidade da própria história ofertada em um discurso rapidamente transmissível (D’Agostini, 2019).
Plataformas de Aluguel de Curto Prazo e as Cidades
Atualmente, as plataformas de aluguel de curto prazo, como a Airbnb, têm contribuído para a massificação do turismo, transformando o mercado imobiliário em muitas cidades turísticas e impactando significativamente nas questões ambientais de muitas cidades. A conversão de propriedades residenciais em acomodações de curto prazo reduz a oferta de moradias para os residentes, aumentando os preços de aluguel e de compra de imóveis (Wachsmuth & Weisler, 2018).
Além disso, a gentrificação resultante pode levar ao deslocamento de moradores de longa data, que não conseguem mais pagar pelos altos custos habitacionais (Cocola-Gant, 2016). Conforme Guttentag (2015), a prevalência de turistas em áreas residenciais pode alterar o caráter dos bairros, criando conflitos entre turistas e residentes e diminuindo a coesão comunitária.
Cidades como Berlim têm adotado medidas regulatórias para controlar o impacto dos aluguéis de curto prazo. Em 2014, Berlim implementou a lei “Zweckentfremdungsverbot” que, após um período de transição de dois anos, entrou em vigor, proibindo o aluguel temporário de apartamentos e casas através de plataformas como a Airbnb, Wimdu e 9Flats, como forma de preservar a oferta de moradias para os residentes, controlar a especulação imobiliária e proteger a economia local relativos à indústria do turismo, como hotéis, restaurantes, entre outros (Füller & Michel, 2014).
Turismo, Sustentabilidade e Gestão de Projetos no Planejamento das Cidades
A implementação do turismo no município induz intervenções urbanísticas transformadoras do ambiente construído, criando a paisagem atrativa necessária para o desenvolvimento e consolidação da atividade no território. A busca pela singularidade do espaço gera cenários alternativos, além da integração dos elementos materiais e imateriais delineando formas, espaços e significados – capital simbólico, moeda de venda do território que pode ser definida como um conjunto de estratégias induzidas pelo mercado para a produção de novos valores ou conservação das dimensões simbólicas da cidade consolidada.
Dentro deste contexto, o planejamento urbano é essencial para mitigar os impactos negativos do turismo de massa e promover a sustentabilidade das cidades. A integração de estratégias sustentáveis no planejamento urbano pode ajudar a equilibrar os interesses econômicos, sociais e ambientais.
A gestão de projetos desempenha um papel crucial neste processo. Ao aplicar princípios e técnicas de gestão de projetos, as cidades podem desenvolver planos mais eficazes e coerentes para o turismo sustentável. Isso inclui a definição clara de objetivos, a alocação eficiente de recursos, a identificação e mitigação de riscos, e a monitorização constante do progresso.
1. Definição de Objetivos Claros e Realistas: Um bom planejamento de projetos começa com a definição de objetivos claros e realistas. No contexto do turismo sustentável, isso pode incluir metas para a redução do impacto ambiental, o aumento da participação da comunidade local, e a preservação do patrimônio cultural.
2. Alocação Eficiente de Recursos: A gestão de projetos permite uma alocação mais eficiente dos recursos, sejam eles financeiros, humanos ou materiais. Isso é essencial para garantir que os investimentos em infraestrutura e serviços turísticos beneficiem tanto os visitantes quanto os residentes.
3. Identificação e Mitigação de Riscos: A aplicação de técnicas de gestão de riscos pode ajudar a prever e mitigar os impactos negativos do turismo de massa. Isso inclui a análise de possíveis flutuações na demanda turística e a preparação para eventos inesperados, como desastres naturais ou crises econômicas.
4. Monitoramento e Avaliação: O monitoramento constante e a avaliação dos projetos turísticos são fundamentais para assegurar que os objetivos estão sendo alcançados e para ajustar as estratégias conforme necessário. Ferramentas de gestão de projetos, como indicadores de desempenho e relatórios periódicos, são essenciais neste processo.
Considerações Finais
A apropriação da identidade territorial neste cenário torna-se um instrumento para posicionamento do território no cenário global. Para tanto, deve ser recuperada, valorizada ou reinventada, por meio de planos e projetos urbanos embasados no city marketing e em outras estratégias de venda do território associadas ao turismo. Essas novas realidades, junto ao aproveitamento das oportunidades que o território apresenta, induzem a uma reestruturação político-administrativa que se utiliza da representatividade das instituições – públicas ou privadas, e dos meios de comunicação, como forma de direcionamento do desenvolvimento local junto às dinâmicas positivas existentes (D’Agostini, 2021).
Entretanto, toda a mudança implementada depende de uma política contínua de manutenção, análise e controle de riscos, visando evitar o empobrecimento da população local pela massificação do comércio e serviços, ou ainda o resultado oposto – a gentrificação, e a degradação das áreas. Montaner (2014) afirma que o turismo traz a necessidade de escolhas frente à diversidade de uma série de interesses e conflitos desencadeados pela apropriação da atividade turística.
O turismo de massa e a proliferação de aluguéis de curto prazo apresentam desafios complexos para as cidades. Enquanto trazem benefícios econômicos a curto prazo, podem criar dependências prejudiciais e impactos negativos significativos a longo prazo. A implementação de regulamentos eficazes, a integração de estratégias sustentáveis e a aplicação de técnicas de gestão de projetos são essenciais para mitigar esses efeitos e promover um desenvolvimento urbano sustentável.
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Referências
Cocola-Gant, A. (2016). Holiday Rentals: The New Gentrification Battlefront. Sociological Research Online.
D’Agostini, F. F. (2019). Ferrovias turísticas no Brasil: relações entre a infraestrutura ferroviária e o território. 340 f. Tese (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019.
Füller, H., & Michel, B. (2014). ‘Stop Being a Tourist!’ New Dynamics of Urban Tourism in Berlin-Kreuzberg. International Journal of Urban and Regional Research.
Guttentag, D. (2015). Airbnb: disruptive innovation and the rise of an informal tourism accommodation sector. Current Issues in Tourism.
Hall, C. M. (2000). Tourism Planning: Policies, Processes and Relationships. Prentice Hall.
Montaner, J. M., & Muxi, Z. (2014). Arquitetura e Política: ensaios para mundos alternativos. São Paulo: Gustavo Gili.
Russo, A. P., & Scarnato, A. (2018). Barcelona in common: A new urban regime for the 21st-century tourist city? Journal of Urban Affairs.
Wachsmuth, D., & Weisler, A. (2018). Airbnb and the rent gap: Gentrification through the sharing economy. Environment and Planning A: Economy and Space.
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Certificada PMI® PMP® em gestão de projetos, consultora em gestão de projetos para implementação de processos para maior produtividade e engajamento da equipe, possui larga experiência na elaboração e execução de projetos residenciais, comerciais e institucionais, atua no mercado de trabalho desde 2001 e como docente no ensino superior há mais de 10 anos. Doutora (2019) e Mestre (2014) em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade São Judas (2000) e especialista em Criação Visual e Multimídia pela mesma universidade (2003).
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