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Fernanda F. D’Agostini • 13/05/2024

Gestão de Projetos em Destinos Turísticos – desafios e soluções

Cidades como cenários turísticos e o papel do city marketing

Não é de hoje que muitas cidades vêm se transformando em grandes cenários para que seus visitantes possam ter os melhores registros “instagramáveis”. A apropriação da identidade territorial torna as cidades um instrumento para posicionamento do território no cenário global, para tanto deve ser recuperada, valorizada ou reinventada, por meio de planos e projetos urbanos embasados no city marketing e em outras estratégias de venda do território associadas ao turismo. Este artigo tem como objetivo enfatizar como a gestão de projetos em destinos turísticos é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento e sustentabilidade.

O atendimento da demanda do turista influencia diretamente a configuração dos locais e a política urbana. Esta demanda, segundo Güell (2000), é monitorada pela quantidade e diversidade dos atrativos turísticos, disponibilidade e qualidade dos serviços turísticos, oferta adequada de infraestruturas básicas, sistemas de transportes eficientes, existência de sistemas de informação, desenvolvimento de programas de comercialização e promoção, disponibilidade de recursos humanos qualificados e hospitalidade urbana (D’Agostini, 2021).

Cenarização urbana e seus efeitos negativos: o caso da Serra Gaúcha

A cenarização das cidades proveniente da indústria do turismo tem levado ao extremo a massificação do comércio e a segregação socio territorial, que se dá em várias escalas. Para exemplificar isso, observa-se as cidades da Serra Gaúcha/ RS, principalmente Gramado, Canela e Bento Gonçalves, que são os destinos mais procurados pelos turistas, em sua grande maioria domésticos.

Esta busca desenfreada por referências externas ao território e investimentos da iniciativa privada apoiados pelo poder público leva a construção de edifícios suntuosos, porém sem nenhuma conexão com o território e sua cultura, ocasionando uma falsa paisagem urbana local. A construção de enormes empreendimentos de atrações turísticas dentro dos núcleos urbanos ocasiona congestionamentos nas pequenas cidades que não possuem porte, nem orçamento para grandes investimentos em infraestrutura viária e de mobilidade.

Gramado e Canela são basicamente cidades dependentes do turismo, para tanto seus centros urbanos se apresentam em uma paisagem composta por construções de influência europeia (figura 01), com muitos telhados inclinados (tipo chalés) e fachadas com vigas e pilares de madeira aparente contrastando com seus planos brancos. Mas o que ninguém vê é o quão frágil é esta estrutura, ao olhar mais de perto algumas coisas chamam a atenção: infraestrutura urbana precária e/ou sobrecarregada (figura 02), construções sobrepostas sem as relações mínimas de conforto ambiental e salubridade (figura 03) entre outros tantos problemas que discorreremos melhor adiante.

¹ Entende-se por city marketing o resultado da integração de três escolas de pensamento: o marketing sem fins lucrativos, o marketing social e o marketing da imagem; sendo responsabilidade do poder público. Porém frequentemente acontece em conjunto com a iniciativa privada, criando uma imagem a venda do lugar para turistas e investidores, procurando atingir objetivos políticos, sociais e econômicos (VARGAS E PAIVA, 2016)

Ressalta-se, no entanto, que os problemas acima exemplificados fazem parte de um conjunto de projetos independentes, que não se conversam entre si, apesar de ocuparem o mesmo território, trabalhar a gestão de projetos em escalas diferentes requer um maior engajamento e comprometimento das partes interessadas, porém para isso funcionar é necessário dar um passo para trás e trabalhar dentro de um planejamento estratégico uma série de ferramentas de gestão e controle que permitam que a iniciativa privada, o poder público e os moradores locais tenham condições de visualizar o todo para que possam decidir pelas melhores soluções.

O contraste das duas imagens acima com a identidade criada para os turistas mostrada na figura 01, leva a nos questionarmos até que ponto estes projetos são benéficos para as cidades e seus moradores, porém o mote deste artigo é verificar o quanto a gestão de projetos integrada nas diferentes escalas (arquitetônica e urbana) e âmbitos (público e privado) prejudica a qualidade de vida de seus moradores, que deveriam ser os principais beneficiados por estes projetos.

Apenas a título ilustrativo, em uma pesquisa rápida no Censo 2022 do IBGE, verifica-se que apesar da grande quantidade de turistas que estas cidades recebem, resultando em grandes ganhos financeiros a cidade, isso não reflete em ganhos para os seus moradores e trabalhadores. 

Por exemplo, em 2023 a cidade de Gramado recebeu aproximadamente 8,2 milhões de visitantes número 200 vezes maior que o total de habitantes que pelo Censo de 2022 é de 40.134 habitantes, gerando uma economia local de 1,5 bilhões de reais no ano. Mas, quando verificamos a média salarial da população que é de 2,5 salários-mínimos, fica evidente que há uma ruptura muito forte entre os projetos turísticos, de planejamento urbano e projetos socioeconômicos.

Os números de Bento Gonçalves diferem-se bastante, principalmente, pela sua característica produtiva, ao contrário de Gramado e Canela, esta cidade não tem uma dependência completa do turismo, devido à indústria de vinhos concentradas na região, assim Bento Gonçalves recebeu aproximadamente 1,7 milhões de visitantes o que representa 14 vezes o número de habitantes que é de 123.151 (IBGE, 2022), já a média salarial é de 3,1 salários-mínimos, 24% maior que a média salarial de Gramado que recebeu quase 8 vezes mais visitantes no ano.

Os números acima apresentados evidencia que há a possibilidade de investimentos integrados que garantam a qualidade de vida nestes locais, visto que a cada alta temporada do turismo há uma série de problemas relacionados a infraestrutura urbana, o mais caótico é o trânsito, que nestes períodos em Gramado e Canela apresentam congestionamentos na maior parte do tempo em seus principais eixos de acesso, mas não para por aí, as pequenas e tranquilas ruas adjacentes a estes eixos são invadidas por carros que se utilizam do espaço público como estacionamento, em suma um mar de carros e pessoas que se apropriam destes territórios e usufruem dos espaços e serviços públicos.

Investigando um pouco mais, é possível ainda verificar mais alguns pontos de atenção nesta batalha dos chamados produtos turísticos, onde moram os habitantes destas cidades? 

Por conta de todos esses processos de cenarização do território e investimentos concentrados a atender esse mercado, tanto o comércio quanto os serviços se massificam em produtos para o visitante deixando um déficit quanto às questões básicas, ou seja, encarece-se demasiadamente os produtos ofertados dentro da lógica da indústria do turismo, fazendo com que o custo de vida fique muito acima do que os seus moradores podem arcar, apesar dos números significativos apresentados acima, a média salarial destas cidades gira em torno de 2,5 salários mínimos. Este cenário de mudança das paisagens urbanas, usos e significados de determinados territórios que levam à atração de moradores de rendas mais elevadas é denominado como gentrificação.

Como última contribuição deste artigo evidencia-se ainda que a falta de uma gestão integrada também afeta a qualidade construtiva dos edifícios, em uma breve observação atrás das fachadas luminosas e fantásticas que atraem os olhos dos visitantes, temos uma série de instalações prediais fragmentadas e precárias como mostram as imagens abaixo, novamente percebe-se que há uma deficiência clara de visão de gestão mesmo na compatibilização dos projetos complementares de um edifício.

Na figura 4 ao lado é perceptível que há uma fragilidade eminente nas decisões de projeto quanto à infraestrutura de climatização (ar-condicionado), provavelmente por conta da falta de um planejamento e mesmo de uma orientação correta na execução observa-se uma série de curvas na tubulação que além do desperdício de material e mão de obra também pode comprometer o próprio funcionamento do AC.

Da mesma forma, na figura 5 abaixo, observa-se que este mesmo problema de gestão associadas às decisões tomadas para execução reflete na quantidade anormal de tubulações presas à fachada posterior, inclusive de diversos sistemas diferentes – águas pluviais, esgoto e drenos de ar-condicionado.

Mas o problema não está apenas nas instalações, encontram-se também problemas ainda mais agravantes da qualidade do espaço urbano e da saúde pública, quando se depara com os recuos entre as edificações menor do que o ideal para a ventilação e iluminação natural e ocupados de forma precária com o depósito de materiais de forma inapropriada e os usos de espaços insalubres para atividades humanas, como pode ser observado na imagem abaixo.

Conclusão: integrar para desenvolver com equidade

Essas novas realidades junto ao aproveitamento das oportunidades que o território apresenta induz a uma reestruturação político-administrativa que se utiliza da representatividade das instituições – públicas ou privadas, e dos meios de comunicação, como forma de direcionamento do desenvolvimento local junto às dinâmicas positivas existentes.

Contudo, toda a mudança implementada depende de uma política contínua de manutenção, análise e controle de riscos, visando evitar o empobrecimento da população local pela massificação do comércio e serviços, ou ainda o resultado oposto – a gentrificação, e a degradação das áreas, como colocado por Montaner (2014) ao afirmar que o turismo traz a necessidade de escolhas frente à diversidade de uma série de interesses e conflitos desencadeados pela apropriação da atividade turística.

A gestão de projetos tem papel fundamental neste contexto, pois é através de uma integração maior por meio de uma comunicação assertiva que garanta a todas as partes interessadas a garantia da construção de uma cidade com qualidade de vida e respeito a todos.

Ressalta-se a importância de se tratar a gestão de projetos em destinos turísticos como uma disciplina obrigatória a qualquer tipo de intervenção ou construção, independentemente de seu tamanho e complexidade, pois é o conjunto de ações integradoras que fazem com que o desenvolvimento seja mais justo a todos.

Referências

D’ AGOSTINI, Fernanda Figueiredo. Ferrovias turísticas no Brasil: relações entre a infraestrutura ferroviária e o território. 2019. 340 f. Tese (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019.

______. O direito à cidade no processo de cenarização das cidades. Atas do Congresso Internacional sobre Democracia e Justiça no Século XXI (JUST2021).

GÜELL, José Miguel Fernández. Planificación Estrategica de Ciudades. 2ª edição. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2000.VARGAS, Heliana Comin; PAIVA, Ricardo Alexandre (orgs). Turismo, arquitetura e cidade. Barueri: Manole, 2016.

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Autor

  • Certificada PMI® PMP® em gestão de projetos, consultora em gestão de projetos para implementação de processos para maior produtividade e engajamento da equipe, possui larga experiência na elaboração e execução de projetos residenciais, comerciais e institucionais, atua no mercado de trabalho desde 2001 e como docente no ensino superior há mais de 10 anos. Doutora (2019) e Mestre (2014) em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade São Judas (2000) e especialista em Criação Visual e Multimídia pela mesma universidade (2003).

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