No contexto corporativo contemporâneo, a disciplina de gestão de projetos é considerada uma competência estratégica, dada a sua capacidade de gerar valor significativo aos negócios, oferecendo um conjunto bastante robusto de princípios e práticas para se alcançar objetivos, otimizar recursos e maximizar resultados.
E no cenário acadêmico, a compreensão sobre o valor da gestão de projetos não deveria ser diferente, posto que esta emerge como uma disciplina de alta relevância à formação dos futuros profissionais. Integrá-la a cursos de graduação não é apenas uma escolha pedagógica, mas uma necessidade estratégica para preparar os estudantes aos desafios complexos que se apresentam em ambientes de negócios a cada dia mais dinâmicos e exigentes.
Essa necessidade se torna ainda mais evidente ao se abordar a formação de arquitetos e urbanistas. Em um momento em que as emergências climáticas nos forçam a repensar a construção de nossas cidades e o desenvolvimento urbano de um modo geral, a gestão de projetos atua como um elo de conexão interdisciplinar vital que permite explorar melhor a sinergia entre as etapas de concepção e execução de projetos.
Ela oferece ainda uma conexão interdisciplinar essencial, assegurando que a visão artística e as exigências práticas sejam harmonizadas. Com uma abordagem estruturada, a gestão de projetos garante que cada etapa – desde a concepção inicial até a construção final -, seja cuidadosamente planejada e realizada, otimizando resultados e promovendo a sustentabilidade nas soluções urbanísticas. Em suma, a gestão de projetos atua como a ponte entre a concepção artística e a execução prática, garantindo que cada detalhe seja meticulosamente planejado e implementado.
A gestão de projetos está intrinsecamente relacionada às atividades do arquiteto e urbanista, pois o projeto é um dos principais, senão o principal, elemento de atuação deste profissional. Uma boa gestão de projetos na arquitetura é a chave para transformar complexidade em simplicidade funcional, respeitando prazos e orçamentos.
Entretanto, em que pese a evidente necessidade de se abordar a gestão de projetos enquanto disciplina essencial à formação de novos arquitetos e urbanistas, não é o que se observa ao examinar o panorama nacional.
Em um exame realizado em bases de dados públicas do e-MEC, a qual teve o objetivo de se mapear a oferta da disciplina de gestão de projetos nos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo em Instituições do Ensino Superior – IES distribuídas por todo o território brasileiro, observou-se resultados bem aquém daqueles considerados ideais.
O estudo em questão considerou um recorte metodológico baseado em um conjunto de critérios objetivos associados à oferta, ao tipo, às avaliações sobre o corpo discente e às notas conceituais, na persecução de se selecionar um grupo representativo sobre as condições de oferta da disciplina de gestão de projetos em cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo dispersos por todo o território brasileiro.
Esse recorte resultou na seleção de 227 cursos, dos quais 48 eram públicos, e 179 eram privados. Deste total, foram amostradas para análise 144 instituições (36 públicas e 108 privadas), visando assegurar um grau de confiança de 95% e uma margem de erro estatístico de 5%. Os resultados mostraram que a maior parte dos cursos examinados, ou seja, cerca 33% (47 IES), não oferecem quaisquer disciplinas em que o tema gestão de projetos seja diretamente abordado e aApenas 20% dos cursos amostrados, ou seja, 30 IES, possuem a disciplina de gestão de projetos em sua grade curricular. Dessas, 5 IES – cerca de 3% do total de cursos amostrados -, oferecem a disciplina como optativa ou eletiva, ficando a cargo do estudante decidir cursá-la ou não.
Embora muitas grades curriculares apresentem elementos de gestão de projetos em disciplinas específicas, à exemplo de Gerenciamento e Orçamento de Obras ou Planejamento e Orçamento de Obras, observado em 36 instituições, representando 25% do recorte amostral realizado, é crucial entender que a obra faz parte do projeto como um todo. Este cenário evidencia um equívoco quanto ao conceito de projeto e às suas dimensões de gestão, sendo o projeto muitas vezes entendido apenas como solução de desenho, desassociado da execução.
Adicionalmente, em 25% das grades curriculares amostradas (31 IES) apresentam a gestão de projetos como um item dentro de disciplinas generalistas, como prática profissional, que abrange a aplicação de ferramentas BIM, gestão de escritório, entre outros tópicos como ética e empreendedorismo.
É importante destacar que, entre as instituições privadas, há uma incidência de cursos pertencentes ao mesmo grupo educacional, compartilhando a mesma grade curricular. Seis grupos se destacaram, somando 26% das grades curriculares analisadas: 6% do grupo Ânima Educação, 5% do grupo Cruzeiro do Sul, 4% do grupo Ser Educacional, 3% do grupo Estácio de Sá, 5% do grupo Anhanguera e 3% do grupo Wyden.
Os resultados alcançados por este estudo evidenciam a necessidade de uma maior discussão da gestão de projetos no processo de formação do arquiteto e urbanista, de modo que estes profissionais tenham uma maior consciência sobre a extensão das responsabilidades e desafios que se descortinam, não apenas na condição de responsáveis por projetos de construção ou reforma de edificações, mas também em sua contribuição decisiva para a otimização de recursos e a gestão de resíduos, dentre tantos outros benefícios alinhados ao ESG (Environmental, Social, and Governance), além de permitir-lhes potencializar soluções alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da agenda ambiental global. Dessa forma, ao integrar a gestão de projetos na formação de arquitetos e urbanistas, proporcionaremos uma base de atuação ainda mais sólida para que esses profissionais, além de contribuir para que eles não apenas sejam capazes de transformar ideias em soluções práticas e sustentáveis, mas também desenvolvam habilidades essenciais para a criação de negócios que harmonizem lucro, propósito, sustentabilidade e transparência.
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Certificada PMI® PMP® em gestão de projetos, consultora em gestão de projetos para implementação de processos para maior produtividade e engajamento da equipe, possui larga experiência na elaboração e execução de projetos residenciais, comerciais e institucionais, atua no mercado de trabalho desde 2001 e como docente no ensino superior há mais de 10 anos. Doutora (2019) e Mestre (2014) em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade São Judas (2000) e especialista em Criação Visual e Multimídia pela mesma universidade (2003).
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