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Fernanda F. D’Agostini • 06/08/2024

Direito à Desconexão: Equilibrando Vida Profissional e Pessoal

Introdução

No mundo contemporâneo, o avanço das tecnologias de informação e comunicação transformou as relações profissionais de maneira significativa. A capacidade de se comunicar instantaneamente, a qualquer hora e em qualquer lugar, trouxe conveniências inegáveis, mas também novos desafios, especialmente no que diz respeito à qualidade de vida. Na arquitetura, essa realidade se torna ainda mais evidente, uma vez que muitos arquitetos gerenciam seus próprios escritórios e precisam lidar com expectativas contínuas de disponibilidade. Este artigo explora a importância do direito à desconexão na arquitetura, um conceito essencial para manter o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e como a gestão de projetos pode contribuir para esse equilíbrio no planejamento urbano.

Tecnologia e a dissolução das fronteiras entre trabalho e vida pessoal

As tecnologias de informação e comunicação têm o potencial de gerar sobre as condições de trabalho o aumento do ritmo e da intensidade de trabalho, do controle patronal e do excesso de informação, além da confusão das fronteiras espaciais e temporais entre trabalho e esfera não profissional, conduzindo a uma flexibilidade espacial e temporal. A interação do trabalhador com o meio técnico modifica a forma de organização laboral, alterando o grau de autonomia e de independência do empregado e a quantidade de informações que o indivíduo recebe e tem que processar.

A onipresença dos dispositivos móveis e a internet de alta velocidade transformaram a forma como trabalhamos e interagimos. No setor da arquitetura, a comunicação com clientes, parceiros e fornecedores tornou-se quase instantânea. Isso significa que os arquitetos estão frequentemente ao alcance de um toque, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Para muitos profissionais, a flexibilidade de responder a um e-mail ou mensagem de texto a qualquer momento pode parecer uma vantagem. No entanto, essa conectividade constante também cria a expectativa de que os arquitetos estejam sempre disponíveis, levando a um ciclo interminável de trabalho e comunicação que pode invadir a vida pessoal.

Impactos da conectividade constante na saúde dos arquitetos

A expectativa de disponibilidade contínua pode ter impactos profundos na qualidade de vida dos arquitetos. Muitos clientes preferem entrar em contato fora do horário comercial, durante noites e fins de semana, quando estão mais “tranquilos”. Isso força os profissionais a permanecerem conectados e disponíveis em horários que deveriam ser dedicados ao descanso e ao convívio social.

Essa constante necessidade de estar “ligado” contribui para níveis elevados de estresse e ansiedade, afetando tanto a saúde mental quanto a física. Além disso, a incapacidade de se desconectar adequadamente do trabalho pode levar à exaustão e a uma diminuição na produtividade e na qualidade do trabalho, por isso a importância de falarmos mais sobre o direito de desconexão na arquitetura.

O que é o direito à desconexão?

O direito à desconexão é o conceito de que os trabalhadores têm o direito de não se envolver em atividades relacionadas ao trabalho fora do horário oficial. Esse direito é fundamental para garantir que os profissionais possam descansar e recarregar as energias, promovendo um equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional. Em termos práticos, é o direito de não receber chamadas telefônicas, e-mails ou mensagens instantâneas fora do horário de trabalho, em respeito ao direito à saúde, ao repouso, ao lazer, à vida em família e em sociedade do profissional.

Em vários países, o direito à desconexão já está sendo reconhecido e legislado. Por exemplo, na França, desde 2017, por meio da Lei El Khomri, as empresas com mais de 50 funcionários são obrigadas a negociar com os trabalhadores sobre o direito de desconexão, segundo a UNI Global Union. Essa medida visa proteger os empregados de serem sobrecarregados com demandas de trabalho fora do expediente.

No Brasil, o direito de desconexão ainda não é regulamentado pela legislação trabalhista. Porém, o direito de desconexão pauta-se nos limites da jornada de trabalho, intervalos intra e interjornadas e o descanso semanal garantidos pela Constituição Federal, em seu art. 7º (BRASIL, 1988), e pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943).

Estratégias práticas para arquitetos implementarem o direito à desconexão

Para arquitetos, especialmente aqueles que gerenciam seus próprios escritórios, aplicar o direito à desconexão pode ser desafiador, mas não é impossível. Aqui estão algumas estratégias práticas:

  • Definir Limites Claros: Estabeleça horários de trabalho e comunique esses limites claramente aos clientes. Deixe claro que você não estará disponível para responder a e-mails ou mensagens fora do horário comercial, exceto em casos de emergência.
  • Utilizar Ferramentas de Gestão de Tempo: Ferramentas como agendas digitais e aplicativos de gerenciamento de projetos podem ajudar a organizar melhor o tempo e as prioridades, permitindo que você mantenha um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal.
  • Delegar Tarefas: Sempre que possível, delegue tarefas a membros da equipe ou parceiros de confiança. Isso pode ajudar a reduzir a carga de trabalho e permitir que você desconecte sem preocupações.
  • Educar Clientes: Eduque seus clientes sobre a importância do direito à desconexão e como ele pode beneficiar a qualidade do serviço que você oferece. Clientes bem-informados são mais propensos a respeitar seus limites.

Conclusão

A implementação do direito à desconexão na arquitetura é essencial para preservar a saúde e o bem-estar dos profissionais, garantindo um equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional. Ao adotar práticas que respeitem os limites do tempo de trabalho, arquitetos podem melhorar sua qualidade de vida, aumentar a produtividade e oferecer serviços de maior qualidade aos seus clientes.

A gestão de projetos desempenha um papel crucial na criação de um ambiente de trabalho equilibrado e sustentável. Implementar práticas de gestão de projetos que promovam a organização, a delegação eficaz de tarefas e a utilização de ferramentas de monitoramento de progresso pode ajudar a reduzir a carga de trabalho e evitar o excesso de horas extras. Além disso, a gestão de projetos pode auxiliar no planejamento urbano sustentável, integrando estratégias que visem o bem-estar dos profissionais e a sustentabilidade dos espaços urbanos.

No mundo da arquitetura, onde a criatividade e a precisão são essenciais, o direito à desconexão não é apenas um luxo, mas uma necessidade. Proteger esse direito é fundamental para garantir que os profissionais possam trabalhar de forma eficiente e sustentável, sem comprometer sua saúde e bem-estar. Ao estabelecer limites claros e comunicar a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, os arquitetos podem criar um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, beneficiando a si mesmo e seus clientes. Deixo aqui a dica de como fazer isso no artigo: Bullet Journal aplicado em escritórios de arquitetura e urbanismo.

Referências

Martins, Thays Silva Gonçalves (2024). O direito à desconexão do trabalho no contexto brasileiro: uma análise jurídica e comparativa.

Mazmanian, M., Orlikowski, W. J., & Yates, J. (2013). The autonomy paradox: The implications of mobile email devices for knowledge professionals. Organization Science, 24(5), 1337-1357.

Weber, Tina. Llave, Oscar Vargas (2021). Direito de desconectar: Explorando práticas da empresa.

Leia também:

Autor

  • Certificada PMI® PMP® em gestão de projetos, consultora em gestão de projetos para implementação de processos para maior produtividade e engajamento da equipe, possui larga experiência na elaboração e execução de projetos residenciais, comerciais e institucionais, atua no mercado de trabalho desde 2001 e como docente no ensino superior há mais de 10 anos. Doutora (2019) e Mestre (2014) em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade São Judas (2000) e especialista em Criação Visual e Multimídia pela mesma universidade (2003).

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